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27 ANOS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE EM TEMPOS DE DERROCADA DE DIREITOS

Estela Márcia Rondina Scandola

Doutora em Serviço Social e colaboradora da Xaraés Consultoria e Projetos

Te han sitiado corazón y esperan tu renuncia,

los únicos vencidos corazón, son los que no luchan

No te entregues corazón libre, no te entregues

no te entregues corazón libre, no te entregues

 

A utopia é o que nos faz caminhar e ela se alimenta quando reconhecemos nossa história de lutas e resistências e nos mantemos juntos, especialmente com gentes que ainda conseguem falar, abraçar e, mesmo chorando juntas nessa época de barbárie, seguem caminhando, catando uma flor aqui e outra acolá.

Para prosear, nosso exercício freiriano de consciência, os 27 anos de Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA foi e é resultante dos avanços que os movimentos da infância fizeram junto com muitos outros movimentos populares. Como disse Florestan Fernandes os “de baixo” fizeram a desobediência civil e marcharam juntos – negros, indígenas, sindicatos, mulheres, combate à fome e das crianças e a luta pela terra.  Dançamos, cantamos e antamente espalhamos sementes.

no los dejes corazón que maten la alegría,

remienda con un sueño corazón, tus alas malheridas

 

Para os grupos ligados à infância, a década de 1980, além do engajamento nas lutas pela democracia, representou também importantes e decisivas conquistas, especialmente sua afirmação como movimento social. Contraditórios já à época, atualmente muitos ainda carregam o espírito da situação irregular... e, em tempos de capitalismo fundamentalista... perdemos sempre! Mas... as resistências continuam com os militantes que se identificam com os direitos sociais. Os ganhos constitucionais e depois do ECA são nossas armas em tempos de guerra: crianças e adolescentes como sujeitas de direitos e como pessoas em desenvolvimento.

Y recuerda corazón, la infancia sin fronteras,

el tacto de la vida corazón, carne de primaveras,

 

A legislação que faz a cobertura para todos os infantes foi e é tratada, na maioria, de forma focalizada e, embora considere todas crianças como sujeitas de direitos, ela (a lei), em si, não promove a mobilidade de classe. É na esfera da política mais ampla que ocorrem as mudanças estruturais. No entanto, a legislação específica oferece instrumentos aos militantes da causa para avançar na luta por direitos, inclusive questionando as desigualdades entre as classes sociais e, portanto, desigualdades entre crianças e crianças, a depender do extrato social.

Não há espaço para nenhuma neutralidade e é fundante juntar os Direito das Criança e Adolescente  na perspectiva das lutas pelos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.

se equivocan corazón, con frágiles cadenas,

más viento que raíces, corazón, destrózalas y vuela

 

A Doutrina da Proteção Integral, inscrita no ECA, passa a ser atacada com a emergência de forças conservadoras que se mantiveram em latência e que se evidenciam sem constrangimento em tempos atuais. Culpabilizar os mais desiguais (sem considerar as condições) é ingrediente para o fomento da alienação coletiva.

Como afirma Freire, é ingrediente da dominação destituir a sociedade das possibilidades de mudança para outras formas de viver em sociedade. Por isso que “critica permanentemente [...] a malvadez neoliberal, ao cinismo de sua ideologia fatalista e a sua recusa inflexível ao sonho e à utopia”.

No los oigas corazón, que sus voces no te aturdan,

serás cómplice y esclavo corazón, si es que los escuchas

 

E, sem finalizar, mas propondo uma prosa comprida e sem tempo prá acabar, os grupos sociais, sejam aqueles dos movimentos ou das políticas sociais, têm potencialidades fundamentais para o enfrentamento da barbárie. Embora os “de cima” tentem manter-nos fora do combate, é nossa condição humana, nossa pele histórica que pode nos impulsionar à luta.

No entanto, para nos mantermos menos quebrados em utopias, é preciso que coletivos de alegria permaneçam juntos. Não matarão o desejo da caminhada, pois isso é a condição humana dos “de baixo” que, com pés fincados na realidade, mãos dadas em fileira, miram horizontes de possibilidades.

Adelante corazón, sin miedo a la derrota,

durar, no es estar vivo corazón, vivir es otra cosa

No te entregues corazón libre, no te entregues

no te entregues corazón libre, no te entregues

(Rafael Amor, en la voz de Mercedes Sosa, 1989)

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